domingo, 9 de fevereiro de 2020

[ponte]















Se me disserem que estás do outro lado
de uma ponte, por estranho que pareça
que estejas do outro lado e que me esperes,
eu atravesso essa ponte.

Diz-me qual é a ponte que separa
a tua vida da minha,
em que hora negra, em que cidade chuvosa,
em que mundo sem luz está essa ponte,
e eu atravesso-a.

Amália Bautista

sábado, 16 de março de 2019

50






Aos 50...
Sou grata pela teia de afetos que fui tecendo devagarinho.
Nela, há amigos de infância e de crescida, da escola e do trabalho, de agora e de sempre. 
Há amigos de perto e de longe... de várias latitudes e longitudes
É uma teia de fios diferentes, de imensas cores e resistências...
Uns dão-me segurança para os voos, outros acolhem-me nas quedas. Outros puxam-me nas subidas difíceis... 
Outros limpam as lágrimas de chorar e de rir.
Soube-me rodear de gente boa, gente fora da caixa, gente normal, gente de pés na terra e gente de cabeça na lua. 
Todos tornam o meu horizonte maior, todos me acrescentam, me tornam melhor... 

anaclaudia

sexta-feira, 1 de março de 2019

abraço VIII





Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. 
Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos. 
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que dele fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes. 


Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

quando vier a primavera















Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

 Alberto Caeiro

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

basta -David Whyte

















Basta.​
Estas poucas palavras bastam.
Se não estas palavras, esta respiração.
Se não esta respiração, este estar sentado aqui.
Esta abertura para a vida
que temos negado
de novo e de novo,
até agora.
Até agora.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

"um trilho de estrelas"





      O meu marido morreu em junho de 2011,
tinha 50 anos eu 42,

       tudo isto é tão verdade...



"O meu marido morreu em dezembro de 2016. Morreu, não partiu, como agora se costuma dizer para embolar os cornos ao mais definitivo dos verbos. Tinha 51 anos e eu 49 e ninguém nos avisara. Nada, ninguém, nenhum sinal e ainda bem. Porque, assim desprevenidos, pudemos, dois ou três dias antes desse desfecho, ir ao cinema, jantar fora, fazer amor, com a alegria dos amantes e não com o horror dos condenados. Passaram-se seis meses. Avessa por natureza pessoal ao espectáculo da dor, prossegui. Comovi-me com o apoio de muitos, enojei-me com a mesquinhez de alguns: O costume nestas coisas, nada de muito importante. Mais decisivo foi habituar-me à casa vazia da sua presença, à ausência da sua mão no cinema, mas também dos seus múltiplos telefonemas ao longo do dia, do toque da pele que os meus dedos ainda agora seriam capazes de cartografar, sinal por sinal, quase poro a poro. Por alguma razão absurda, associava a viuvez às minhas avós, que o ficaram já velhas, e que, de acordo com o código de costumes do Portugal dos anos 70, de negro se cobriram até ao final das suas próprias vidas, 20 anos depois da morte dos maridos. De negro no verão como no inverno, na casa como na rua, o coração para sempre encerrado a qualquer aspiração. Não me rendi à tragédia. Saí para trabalhar, arranjei-me como sempre, reencontrei os amigos que a exclusividade da paixão fora secundarizando devagarinho, voltei a ir ao cinema, a viajar, mais raramente a cantar no duche, e, por vezes, a rir com vontade, quase sempre das minhas próprias figuras, agora que tenho de reaprender a viver sozinha. Porque – encaremos a realidade – estar a solo, na sua própria casa, aos 30 anos é empolgante, à beira dos 50, depois de perder um grande amor, é deprimente. Mas necessário. Em seis meses, converti-me numa espécie de Miss McGyver, capaz de enfrentar, sem brilho mas com eficácia, mudança de lâmpadas, abertura de frascos e garrafas de vinho, e micro reparações que requeiram mais engenho do que força. Mais complicado foi domesticar os fechos nas costas tão frequentes nos vestidos de verão. A prova foi superada, embora invariavelmente venha acompanhada por uma investida de saudade. Esta não é, todavia, a crónica de uma coragem a toda a prova. Esvaziei os armários, é verdade que sim, dei muita da sua roupa a quem dela necessitasse, uso muitas das suas camisas porque gosto delas e porque, de algum modo, ainda sinto o seu abraço naquele pedaço de tecido, mas não passei na mais derradeira das provas: não, não consegui voltar a deitar-me na que foi a nossa cama. Tentei e desisti rapidamente. Compreendi que, em nenhum outro lugar, me era tão insuportável a sua ausência como naquele em que, durante os quase seis anos em que estivemos juntos, tínhamos todas as conversas, as do verbo e as da carne. Permanecer ali seria amortalhar-me, em vida, a algo que não voltará a acontecer. Como se esta simples cama tivesse, afinal, passado da sua básica condição de móvel a relíquia deixada para trás por uma civilização perdida. Fugi? Provavelmente. Fugi do amor parado que se transforma em adiposos quistos de amargura e raiva. Prefiro sentir o amor de e pelo meu marido como um trilho de estrelas que me ilumina a vida e a pele. Um dia, provavelmente, passá-lo-ei a outra pessoa. E, depois de mim, também essa pessoa o há-de passar a outra. E, assim sucessivamente, por séculos e séculos. Como na canção do Chico Buarque, “Futuros Amantes”, um dia, quiçá, alguém se amará sem saber com o amor que deixaste para mim."

MARIA JOÃO MARTINS

quinta-feira, 20 de julho de 2017

... sentido









um texto cheio de sentido... 
e as minhas flores que resistem e renascem, todos os anos, numa explosão de força, símbolo de laços e felicidade..
"serei feliz como mereço ser"
durante muito tempo hesitas (demasiadas vezes) entre um ponto final e uma vírgula, entre escrever fim ou cenas do próximo capítulo, entre escolher-te a ti mesma ou a opinião dos outros, entre em seres tu – primeiro que tudo - o amor da tua vida ou a segunda opção na vida de alguém.
durante esse tempo, achas que o vazio que existe dentro do teu coração só pode ser preenchido por alguém que não tu. 
durante esse tempo esperas que sejam os outros a dizer o quê, como, quando, onde e quando. 
durante ese tempo moras em corações com prazo de validade, naufragas no mar dos teus olhos, escolhes vestir-te de dúvidas, de medos e de todas as palavras amargas que dizes a ti mesma.

até que um dia dizes basta. decides conversar com o teu coração e ouvir tudo o que ele tem para te dizer.
escolhes abrir as janelas todas e deixar a luz entrar. aprendes a questionar com calma tudo o que está aí dentro. aprendes a compreender o medo e a trabalhar a coragem. buscas boas energias e constróis um círculo de pessoas de bom coração. aprendes a pedir ajuda e a ir buscar reforços de força, de esperança e de fé onde não acreditavas existirem.

é o dia em que prometes a ti mesma conjugar para sempre o teu mantra: aceito-me como sou. serei feliz como mereço ser.

sábado, 1 de julho de 2017

alguns dias



"em alguns dias, independentemente do terrível da vida, podemos acordar numa quase euforia. uma vontade intuitiva de ser feliz. só por acordarmos, só por estar sol, por ser verão, haver sempre um verso, um único amigo, uma única amiga, rachmaninov e a estrada aberta diante de nós.
nestes dias, a gente alimenta o ano inteiro
."

Valter Hugo Mãe

quinta-feira, 8 de junho de 2017

ser feliz

 
 
 
 
 
 
«com o tempo acabas sempre por perceber que para seres feliz precisas de aprender a gostar de ti, a cuidar de ti, e, principalmente, a (só) gostar de quem gosta de ti.»

domingo, 14 de maio de 2017

abraço VI





"O melhor do abraço é a sutileza dele. A mística dele. A poesia. O segredo de literalmente aproximar um coração do outro para conversarem no silêncio que dá descanso à palavra."


Ana Jácomo