sexta-feira, 15 de junho de 2012

vazio


 “Não um vazio qualquer
(...) um verdadeiro e imenso vazio.
Um vazio como o buraco desta pagina
 mas sem página à volta”
in Chiu!, Mafalda Milhões, Paulo Galindro


Deambulo frequentemente por livros na procura de palavras para as coisas que vou sentindo, bebendo com avidez perspectivas, reflexões, olhares, sentidos…

Esta é a mais simples, verdadeira e inteligível descrição de vazio que encontrei. Daquele vazio que sentimos quando os passos não nos levam a lado nenhum, quando não é dia nem noite, quando os outros não estão, mesmo que estejam. Quando não sabemos de nós, quando pairamos sem norte.

Neste vazio penso muitas vezes, no que me sustem, no que me impede de ir nessa avalanche branca, rápida que sufoca e mata a vontade…
Por magia penso em redes…
Redes são conjuntos de fios entrelaçados, nós que amarram pontas soltas, que fortalecem teias.
As redes aprisionam, arrastam cardumes de vidas, levam-nas para longe, tolhem movimentos, impõe uma finitude de espaço e de tempo.
Uma rede é, também, uma malha tecida para proteger quem arrisca a vida em voos altos, em movimentos livres…
A rede está lá, não interfere, não se move, não define os movimentos, mas permite que alcancem a sua maior extensão. Só a segurança, de saber que a rede protegerá a vida, permite voar.

Somos peixes, ou trapezistas, nadamos em paz num mar profundo onde conhecemos os cantos à casa, onde de supetão podemos ser arrastados ou vivemos na vertigem de chegar mais longe, de superar barreiras, ora calmos e centrados, ora com o coração nas mãos e o medo à espreita.
Somos peixes ou trapezistas…

A rede onde me posso deitar e deixar embalar, num movimento lento e envolvente, é-me imprescindível…
Nesta rede não há lugares cativos, não há lugares estáticos.
Como nas danças de roda, rodamos, trocamos de lugar harmoniosamente, com um sorriso, estendemos as mãos, damos o braço ao ritmo das vozes…
Os amigos estão, trocam de lugar, substituem-se, conhecem-se, conhecem o papel de cada um; estendem as mãos, dão abraços, adivinham as palavras, adivinham as necessidades, suprimem as faltas. São-me imprescindíveis…
São rede, são janelas de vistas largas, são pontos de luz, são presença, são respeito…
São silêncio, são ausência de palavras ocas, não dizem “sei o que sentes”…
Ninguém sabe o que sinto, ninguém pode pôr-se no meu lugar. O espaço que é meu, não é ocupável por qualquer outro.
Depois do desnorte é o conforto da rede que permite descansar, organizar, levantar e seguir em construção.

A rede em que me embrulho, embala o sonho; também este se tece de fios…
A rede em que vivo, vive à distância de um braço, de uma memória, de um afecto…

A rede em que vivo dá cor às páginas brancas, tece pontes entre as margens do vazio, permite-me ser, ora peixe, ora trapezista, permite-me o conforto de não ter que ser qualquer coisa esperada.

anacláudia