segunda-feira, 28 de outubro de 2013

há dias


Há dias tranquilos, que correm sem sobressaltos, sem nada a assinalar. Outros são cheios de surpresas, trocam-nos as voltas, viram-nos do avesso. Por vezes percebemos tudo. Muitas vezes temos duvidas.
Por vezes a vida é o quarto escuro, outras a claridade que o invade.
Hoje o meu dia não foi de descobertas, já a noite envolveu-me num abraço, como se tudo o que é importante estivesse próximo, serenando a ausência e a saudade.
Há dias assim basta um abraço.


Há dias em que acordamos e percebemos tudo
o recorte das cidades no horizonte
a distância que há nos caminhos que rasgam os corações
como se fossem searas de trigo
o nome de certas coisas que só sentimos num abraço

depois percorremos a mão pelo granito
como se fossemos o tempo
e como se a vida não fosse mais do que uma claridade
que invade pela frincha da porta o quarto escuro

é então que descobrimos
num desses rostos com que cruzamos o olhar
que a vida podia ser outra
e que seríamos felizes num outro sorriso
se lhe entregássemos inteiros os nossos lábios

há dias assim
em que acordamos e percebemos tudo
como se tudo nos estivesse imensamente próximo
como se cada dia nascesse e morresse num abraço
como se a vida coubesse num poema.

José Rui Teixeira

domingo, 27 de outubro de 2013

transformar






















Há alguns anos, um dos meus mestre, de profissão e de vida, disse-me (confrontado com as minhas dificuldades) que não é obrigatório que a organização comece por dentro, mas que é imprescindível que comece.
Lembro-me dessas palavras frequentemente, sempre que se impõe a necessidade versus dificuldade de mudar.
Assim transformei uma parede branca, que ampliava o vazio do meu espaço, numa parede quente, inundada de palavras de esperança,
"De repente coloridas
Entre palavras sem cor
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor"  Alexandre O'Neill
Passo a passo.

declaração

Como diz a canção no silêncio da noite eu fico imaginando...
No silêncio converso, digo o inexprimível,sonho e sinto, prometo e peço.
Hoje quero casar várias vezes ao dia..
Inexcedível esta declaração de amor do Miguel Esteves Cardoso 


Para a minha mulher
"Desde que a Maria João casou (oficialmente) comigo há treze anos, damos por nós a casarmo-nos um com o outro, voluntária ou involuntariamente, várias vezes por dia. 

Vou contar só uma. Esta semana, quando voltávamos da praia, a Maria João estava a pentear-se e deu-me uns cabelos soltos para eu deitar pela janela do carro. Tive ciúmes que alguém pudesse apanhar os lindos cabelos dela e disse-lhe. Dei-lhes um beijinho e atirei-os ao vento. E a Maria João disse: «Agora tenho eu ciúmes que alguém apanhe o cabelo com beijinhos teus». 


Casámos um com o outro nesse momento. Já tínhamos casado cinco vezes na praia. Casar é o que acontece quando duas pessoas descobrem que, por estarem a fazer ou terem feito uma coisa grande ou pequena, são as duas únicas pessoas no mundo. Todas as outras pessoas não podem fazer parte daquele prazer. Aquele prazer só é possível para duas pessoas concretas: ela e eu.

À nossa volta casavam-se muitas outras pessoas, casando-se por nós estarmos de fora, juntamente com todas as outra. Às vezes somos nós os espectadores.Vemos outras pessoas casarem-se: um homem a rir-se leva uma mulher a rir-se nos braços pelo mar adentro e não a deixa cair até ela pedir. Há cuidado,medo de desiludir, proteção, ternura e vontade de agradar. Depressa percebemos que estão a rir-se juntos, de uma coisa a que só eles acham graça, que é rirem-se os dois de uma mesma coisa. Casa comigo hoje, Maria João, meu amor. Vez após vez." 

Miguel Esteves Cardoso, in Público 30.09.2013




sábado, 26 de outubro de 2013

Inês Pesrosa















Não tenho grande dificuldade com as palavras, com a expressão dos estados da alma, com a explanação oral ou escrita dos sentires, contudo não posso estar mais de acordo com Inês Pedrosa nesta alusão ao espaço entre as palavras.
Por isso eu recorro tanto a ...
Esse é o espaço de leitura do outro...um tempo de respirar, de degustar...
Nesse espaço nascem mundos de possibilidades...

quarta-feira, 23 de outubro de 2013




"certa vez ela chegou grave. Colocou suas mãos nas minhas e deixou um silêncio pousar..."

Mia Couto, in Terra Sonâmbula


Por vezes só depois de o silêncio se instalar podemos pôr a conversa em dia, podemos ouvir. Hoje é um desses dias, por aqui...

domingo, 20 de outubro de 2013

a dois II






















Havia uma palavra que lhe era proibida.
As letras não se alinhavam para a formar.
Hoje a magia e as curvas deste lugar misturaram as letras e os sentidos e ouviu-se nitidamente apeteces-me. Ela ouviu-se. Inquieta saiu dali,  só mais tarde reparou que levava consigo “o livro dos medos”.
O livro dos medos? Mas que receias?
Ali onde o sol deu lugar à lua, o calor de fim de tarde iluminou aqueles dois que de risos e cumplicidade faziam que os demais se sentissem longe do que se chama paixão ....
Percorriam as pedras seculares para ouvirem novas descobertas...
novos mapas de tesouro...mesmo que guardados por anciões cujo tempo apagara a alegria de estar, pela pesada sabedoria dos sons.
A luz da lua e o riso uníssono, devolveram a quietude ...
sentaram-se e, por ali, permaneceram em silêncio com a segurança de quem olha o medo de frente, sem medo.





momentos




"O momento das carícias voltou a entrar no quarto, pediu desculpa por ter-se demorado tanto lá fora, Não encontrava o caminho, justificou-se, e, de repente, como aos momentos algumas vezes acontece, tornou-se eterno."

José Saramago

são tantas as palavras que me deixam com pele de galinha,
estas entranharam-se em mim, como  já aconteceu com  alguns momentos, que ainda permanecem.

vida

 
 
Rostos, abraços, travessuras,
Beijos, Sorrisos, mãos, cores,
Olhos, colos, proezas, conquistas,
Lugares, afectos, partilha, carinhos, caminhos…
Expressões tatuadas no papel.

  Imagens de vida, por aqui...

A palavra mágica


A palavra mágica

Certa palavra dorme na sombra 
de um livro raro. 
Como desencantá-la? 
É a senha da vida 
a senha do mundo. 
Vou procurá-la. 

Vou procurá-la a vida inteira 
no mundo todo. 
Se tarda o encontro, se não a encontro, 
não desanimo, 
procuro sempre. 

Procuro sempre, e minha procura 
ficará sendo 
minha palavra. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'


sábado, 19 de outubro de 2013

os sonhos acontecem










Os sonhos acontecem.

Desde sempre gostei da ideia de casamento, dessa coisa de festejar o encontro, a opção de partilhar a vida, a união de dois desejos num projecto único.

Sempre vivi, com emoção, os sorrisos, os votos eternos, enquanto as mãos se procuram, se encontram e se unem na troca de alianças.
Mãos coroadas de infinita vontade de estar junto, de construir em parceria, de viver acompanhado, de fazer a família.

Os dias correm rápido, distraimo-nos, “o dia-a-dia” afasta-nos do essencial; talvez por isso se convencionou o uso da aliança, mais ou menos como aquele sinal que fazemos na mão para nos lembrar de algo importante, ... lembrar de partilhar.

Um dia a vida troca-nos as voltas, “perdemos” quem nos acompanha.
Olha-se para a aliança, um círculo sem princípio nem fim, símbolo de algo infinito e os olhos deixam de ver.
Que outra forma pode ter uma relação desejada e verdadeiramente vivida?
Que forma dar ?

Partilhar a vida é permitir a fusão, é submeter a altas temperaturas gostos, manias, gestos, sonhos perspetivas, desejos…
Esperando que da fusão se saia mais rico, mais nobre, mais inteiro.
Partilhar a vida é transformar,é somar e multiplicar o melhor de nós…

Depois da fusão é impossível voltar à forma inicial, é impossível separar com rigor os materiais de origem
Depois da fusão, o Sérgio é parte de mim.

Depois da fusão, as nossas alianças ficarão juntas, para sempre, uma fazendo parte da outra.
Uma nova forma habitará a minha mão.

Duas linhas de ouro diferentes, unidas.
Duas linhas, duas “margens” ligadas por pontes.
Duas “margens” que contêm um rio de pequenos círculos de diferente matéria.
Há círculos vazios, outros preenchidos, há círculos maiores e menores, uns solitários, outros colados, ricos, distintos, discretos…
 “Margens” que protegem e conduzem um caudal de emoções para a foz.
 “Margens” com espaço para a diferença, para a força e para a fragilidade.
 “Margens” com espaço para o que vier.
Uma nova forma... assimétrica, como a vida.
Um anel precioso, sentido, sonhado e tecido.
Uma peça única, como único foi o tempo que partilhamos.
Uma joia de brilho suave, que se afirma pela presença, pelo traço, pela assinatura de quem se envolve no processo.

A 14 de Junho de 2001 afirmei, de olhos nos olhos, que “ o amor jamais acabará”, hoje
vivo dessa certeza.
Os sonhos acontecem mesmo que se mude a forma.

anacláudia

a dois I














Ele  tinha três anos, nem mais um dia. Ela, apenas, menos alguns dias. Brincavam perdidos dos lugares conhecidos e riam  alto. Tão alto, tão cristalino que o mar se silenciava na areia prazerosamente.
Ele perguntou de olhos baixos

"- Posso roubar-te o teu primeiro beijo?  
- Só se me prometeres que ficas também com o último."  - atirou ela atrevida

ele respondeu – prometo.
Trocaram um beijo, primeiro e ultimo, ali num hoje ímpar nas suas vidas.
riram, esconderam-se e acharam-se, chapinharam nas ondas e desenharam dragões, princesas e corações na areia...
quietos de olhos no céu viveram nas nuvens.
Neste hoje a cumplicidade não tem fim.

E ali naquele espaço magico que criaram longe das querelas dos adultos prometeram num grito de silencio e numa surdina de palavras uma amizade sem fim que se estenderia até aos confins do tempo. Satisfeitos como este pacto sentaram-se beira mar com o oceano domado a seus pés e contemplaram o horizonte como uma janela aberta para outra dimensão ...


nota:  entre “”   publicado por micro contos

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

há muito mais



"Engana-te de propósito a fazer as contas. Falha o golo em frente à baliza. Despenteia-te. Escreve “sapo” com cê de cedilha: çapo. E também “sopa”: çopa. Inventa combinações de números quando o multibanco te pedir o código. Contraria o GPS. Põe sal no café. Telefona à tua mãe e diz que querias ligar para as finanças. Despede-te quando chegares e diz olá quando partires. Senta-te no chão. Veste a camisola ao contrário. E, por favor, calça o sapato do pé esquerdo no pé direito e calça o sapato do pé direito no pé esquerdo. Verás que não é assim tão desconfortável, que o calçado ortopédico é um exagero e que há muito mais do que aquilo que esperas naquilo que não esperas."

José Luís Peixoto

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

lua















Lá fora a lua é todo um mistério crescente, aninhado na noite.
Um traço curvilíneo de luz,
um olhar de mulher suspenso no tempo.
Olhos baixos a esconder desejos e ternuras, num jogo de equivoca sedução.
Um olhar tranquilo,seguro no escuro dos sonhos.
Um olhar a degustar a noite,
sem pressa, sem urgência do dia.

anacláudia 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

mãos















Quero as tuas mãos.

Quero o toque a delicadeza...
Quero os gestos largos dos sonhos,
a descrição milimétrica dos desejos.

Quero o desenho de palavras 
no ar,
os beijos pousados na ponta dos dedos,
quero as  caricias leves no rosto…

Quero as mãos  firmes na aflição,
alheias à dor, seguras, ancoradas na vida.

Quero a arte, o movimento ímpar e imparável...
projectos sonhados e tecidos.
Quero o silencio das conversas longas, coloridas pelos gestos.
Quero o ritmo das palmas.

Quero a pele morena, a vida a correr em veias sinuosas…
quero ler os traços e as linhas que contam a história e inventam futuros.

Quero sentir as tuas mãos a rasar a minha pele, quero um arrepio demorado, o crescendo do desejo…

Quero o quente das tuas mãos...
Hoje importava sentir o quente das tuas mãos.


anaclaudia