“.. o desconhecido é um bicho que mete medo
e ao mesmo tempo
apetece conhecer.”
in “o pequeno livro
dos medos
Sérgio Godinho
Nem sempre me apeteceu conhecer…
Para partir à descoberta de novos caminhos,
sem mapa, sem bússola, é preciso acreditar que o desconhecido trará, na sua
bagagem, coisas boas.
Nem sempre me apeteceu conhecer…
Dominada pela necessidade de ter os pés em
terra firme, de só assim me sentir segura e poder respirar, lidei mal com o
desconhecido.
Talvez por isso, as viagens não foram uma
prioridade.
Sempre pressenti o medo de não saber lidar,
de me desconcertar perante o que não dominava.
Houve um tempo em que resisti a experimentar,
a conhecer, apenas porque sim, sem uma razão objetiva.
Não obstante esta dificuldade sempre admirei
com verdadeiro fascínio e sem preconceitos, quem se entregava à descoberta,
quem desaparecia e voltava carregado de histórias de outras latitudes; quem
mudava de cidade, quem deixava uma casa por um quarto, um trabalho por uma
investigação; um lugar conhecido pela surpresa de outra cultura, um trabalho
das 9h- 5h, por ser dono do seu tempo…
Sempre me fascinou quem decide o rumo em
função das colheitas de fruta e de flores, quem vive da musicalidade que sai
dos seus gestos, ou das ideias que, à força de querer, se transformam em
projetos…
Do alto das minhas raízes, acompanhei
corridas aos sonhos, ora de velocidade, ora de barreiras…
Vi perspetiva-los, desenha-los, por vezes
vivê-los, por vezes abandona-los, com a certeza de que entre as perdas houve
ganhos imensuráveis.
Presa nas minhas raízes terei sido árvore,
cujos galhos foram ponto de partida e de chegada de voos, terei sido abrigo de
tempestades, sombra fresca em dias escaldantes…
Terei admirado, acompanhado, mas não parti ...
Não ir, foi medo e presunção. Foi não saber
se sobrevivia, foi acreditar que o meu canto me bastava.
Segura nas minhas raízes, fui-me nutrindo de
olhares e de afetos, fui-me disponibilizando, deixando embalar por bons ventos…
Viajei em mim, descobri lugares, enfrentei
medos, viajei até ao outro, por caminhos conhecidos, desconhecidos,
indiscutivelmente novos.
Com o outro dei-me ao prazer de cada momento…
Vivi em segurança em mares agitados,
“vesti-me” de cores e de preto e branco. Cheguei ao fim de histórias sem
vontade de chegar…
Ontem, um personagem de uma outra história
dizia “leio sempre o ultimo capitulo
primeiro, gosto de saber o que vem aí” .
A necessidade do conhecido, para “saborear”
os dias, também me fazia começar as histórias pelo fim.
Só depois de conhecer o último capitulo, ou
parágrafo e saber se ele acrescentava algo, é que me demorava a ler o conteúdo.
Dizia para mim, que só perderia tempo se
valesse a pena - como se o prazer
estivesse na chegada e não no percurso.
A “entrega” não foi uma decisão, foi um
processo…
Por isso não sei em que momento passei a
enamorar-me pelo caminho e não pela chegada.
Nutrida de afectos deixo que aconteça,
percorro trilhos e estradas. Subo montes e desço aos vales, procuro novos
ângulos, novas perspetivas sem preguiça.
Deixo-me inebriar pelo que vejo, pelo que
ouço, pelo que discuto, pelas vivências daqueles com quem me cruzo por aqui, por
aí…
Das minhas raízes construiu-se um cais… de
onde parto…
Viajo nesse mar de emoções que nos une.
Viajo nesse mar revolto onde, desde sempre,
“partimos à descoberta” navegando sem medo de perder o pé, dobrando cabos na expectativa
de novos cheiros, sabores e cores…
Por vezes o medo visita-me, conversamos olhos
nos olhos, mas não lhe ofereço casa …
Hoje parto tranquila e inquieta, q.b., com a
certeza de que me aguardam bons portos, degustando a viagem sem saber o que aí
vem.
anaclaudia
8 Março 2012