quarta-feira, 14 de março de 2012

montes e vales...




















O Sérgio procurou horizontes largos que lhe permitissem criar. Deixou-se “perder” na vista sobre a planície ribatejana.
Eu, voltei para as minhas raízes, precisava delas para continuar a crescer.
Encontrámo-nos aqui.

Não ouvíamos a mesma música, não partilhávamos histórias …
Ele era sonho, era vontade de voar, era desafio, era caminho,
era meta, era música…
Eu era realidade, construção, era ficar, era viajar por dentro, era fazer o “nosso” mundo aqui, era palavras e livros…
Juntos éramos sol e lua, éramos inquietude e aconchego éramos sonho e verdade…

Amámo-nos.
Construímos o ninho, fizemos filhos. Amámo-los.
Partilhámos a vida a dois a três a quatro, … a mil….
Partilhamos tempo e presença, caminhamos juntos ora em passo acertado, ora desacertados… juntos! Sem equívocos.
O privilégio de partilhar a vida é indizível.

O Sérgio ficou doente e teve que partir…
O melhor de nós, vive nos filhos.
O melhor deste amor, foi sentir na pele a incondicionalidade de “gosto de ti montes… e vales”, enquanto sentados, na nossa terra, olhávamos o horizonte lá longe …
Ainda hoje "gosto de ti montes”.

anaclaudia

sexta-feira, 9 de março de 2012

desconhecido

“.. o desconhecido é um bicho que mete medo
 e ao mesmo tempo apetece conhecer.”
in “o pequeno livro dos medos
Sérgio Godinho

Nem sempre me apeteceu conhecer… 
Para partir à descoberta de novos caminhos, sem mapa, sem bússola, é preciso acreditar que o desconhecido trará, na sua bagagem, coisas boas.

Nem sempre me apeteceu conhecer… 
Dominada pela necessidade de ter os pés em terra firme, de só assim me sentir segura e poder respirar, lidei mal com o desconhecido.
Talvez por isso, as viagens não foram uma prioridade.
Sempre pressenti o medo de não saber lidar, de me desconcertar perante o que não dominava.
Houve um tempo em que resisti a experimentar, a conhecer, apenas porque sim, sem uma razão objetiva.

Não obstante esta dificuldade sempre admirei com verdadeiro fascínio e sem preconceitos, quem se entregava à descoberta, quem desaparecia e voltava carregado de histórias de outras latitudes; quem mudava de cidade, quem deixava uma casa por um quarto, um trabalho por uma investigação; um lugar conhecido pela surpresa de outra cultura, um trabalho das 9h- 5h, por ser dono do seu tempo…
Sempre me fascinou quem decide o rumo em função das colheitas de fruta e de flores, quem vive da musicalidade que sai dos seus gestos, ou das ideias que, à força de querer, se transformam em projetos…

Do alto das minhas raízes, acompanhei corridas aos sonhos, ora de velocidade, ora de barreiras…
Vi perspetiva-los, desenha-los, por vezes vivê-los, por vezes abandona-los, com a certeza de que entre as perdas houve ganhos imensuráveis.
Presa nas minhas raízes terei sido árvore, cujos galhos foram ponto de partida e de chegada de voos, terei sido abrigo de tempestades, sombra fresca em dias escaldantes…

Terei admirado, acompanhado, mas não parti ...
Não ir, foi medo e presunção. Foi não saber se sobrevivia, foi acreditar que o meu canto me bastava.

Segura nas minhas raízes, fui-me nutrindo de olhares e de afetos, fui-me disponibilizando, deixando embalar por bons ventos…
Viajei em mim, descobri lugares, enfrentei medos, viajei até ao outro, por caminhos conhecidos, desconhecidos, indiscutivelmente novos.
Com o outro dei-me ao prazer de cada momento…
Vivi em segurança em mares agitados, “vesti-me” de cores e de preto e branco. Cheguei ao fim de histórias sem vontade de chegar…

Ontem, um personagem de uma outra história dizia “leio sempre o ultimo capitulo primeiro, gosto de saber o que vem aí” .
A necessidade do conhecido, para “saborear” os dias, também me fazia começar as histórias pelo fim.
Só depois de conhecer o último capitulo, ou parágrafo e saber se ele acrescentava algo, é que me demorava a ler o conteúdo.
Dizia para mim, que só perderia tempo se valesse a pena -  como se o prazer estivesse na chegada e não no percurso.

A “entrega” não foi uma decisão, foi um processo…
Por isso não sei em que momento passei a enamorar-me pelo caminho e não pela chegada.

Nutrida de afectos deixo que aconteça, percorro trilhos e estradas. Subo montes e desço aos vales, procuro novos ângulos, novas perspetivas sem preguiça.
Deixo-me inebriar pelo que vejo, pelo que ouço, pelo que discuto, pelas vivências daqueles com quem me cruzo por aqui, por aí…



Das minhas raízes construiu-se um cais… de onde parto…
Viajo nesse mar de emoções que nos une.
Viajo nesse mar revolto onde, desde sempre, “partimos à descoberta” navegando sem medo de perder o pé, dobrando cabos na expectativa de novos cheiros, sabores e cores…

Por vezes o medo visita-me, conversamos olhos nos olhos, mas não lhe ofereço casa …

Hoje parto tranquila e inquieta, q.b., com a certeza de que me aguardam bons portos, degustando a viagem sem saber o que aí vem.

anaclaudia
8  Março 2012